Acordei mais uma vez num sofá de prego e tábua de um dos meus tantos
amigos de copo; pois é, a loura me deu as contas, disse que abusou de minhas
noitadas e do som fraco de meu violão já viciado em choro-canção. No mais, fiz
oque qualquer homem bêbado faria: larguei ela lá, indagando e descascando o
esmalte vermelho dos tocos que ela chama de unhas. Viu só como sou bom homem,
até nas mãos da kizumba eu reparo e a malvada nem reconhece, é por isso que eu
bebo...
Mas vou deixar de me queixar, no mais ela que perdeu, tá certo que quem
tá todo moído sou eu, mas ela deve tá chorando, ou fazendo um patuá. Pra lá não
volto nem com a peste e sim vou cuspir pra cima e torcer para não cair nas
vistas, mas se cair; é bom que refresca.
Tô
te escrevendo desse jeito torto meu irmão pra te pedir um canto, pode ser até
uma rede, ou uma esteira de palha, só não me bote num sofá. Sei que sua mulher não
tem lá muito prazer em olhar para as minhas fuças, mas xaveca ela daquele jeito
que você xavecou para adentrar nos fundilhos, diz pra ela que é por pouco tempo
e que se ela aguentou parir três meninos só com uma dose de Nêga Fulô ela vai
me engolir fácil e também tem aquele nosso cigarrinho pra amaciar.
Dê
um cheiro nos meninos e avise que o tio deles tá chegando, avise para minha
cunhada que tô com um lenço de flor amarela que é uma coisa linda e diga para
sua sogra que tô solteiro e procurando umas ancas de velha leitosa para me
escorar, mas diga com delicadeza, pois gastei meus versos de amor com a danada
lá do morro.
Lembre-se meu irmão, tô quase vendendo meu pai de santo e rifando os
meus Orixás, sei que é pecado, até dei uns tapas nas minhas fuças depois que
escrevi estas linhas, mas agora não importa, cê sabe que sou do tipo que pede á
Deus para que o mundo acabe no pé de um barranco só para eu poder morrer encostado,
ando triste, sem cordas no violão e só com o dinheiro para pegar o clandestino
e ir para o seu mocó. Só estou te enviando à carta por pura cortesia e tédio é
provável até que eu chegue antes dela, mas aceite este teu irmão véi que te ama
e até um dia destes bancou as tuas cachaças.
Franco Silva.
São Paulo, 02/02/1988
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