21.12.14

Embriaguez

       Curtindo a minha ressaca como num sonho em fatias, as pontadas na cabeça dão uma sensação insuportável de vida, estranho isso; dar vida e dor para alguém que não vê sentido algum em estar vivo, para alguém que já sentiu entre os dentes que amores não morrem só tornam-se insuportavelmente reais, como as pontadas que sinto em minha cabeça. Por agora não existe mais a vontade de beber e sim o simples pedido para que o vizinho quebre os dedos com o martelo e tenha a cavidade anal bolinada pela furadeira, talvez assim ele pare com as obras de domingo e leve sua tola esposa para um churrasco de família que se intitula feliz. E eu ainda que doído consiga me afundar no colchão velho e por alguns minutos dormir.
        Eu não sei se já passaram por um porre desses, mas certamente sempre foi assim pra mim, com raras exceções em que um embargo de angústia consegue me engolir a ponto de não querer atravessar a rua de casa para encostar-me ao bar do José. Mas que diabos! Tudo que eu queria era dormir por semanas, meses talvez. Literalmente entrar num coma profundo, mas infelizmente tenho os malditos compromissos dessa vida cotidiana. Acordar às 5h da matina, enfrentar o trânsito infernal de São Paulo, aguentar um dia todo repleto de pessoas banais, chegar em casa e ainda ter de fingir paz interior no cansaço.
      Lembrando-me da embriaguez de ontem, enquanto ali parada observava gente transitando por todo lado, como urubus em busca de carniça, por um momento pensei que havia esquecido como é pequena toda essa gente, tão frágeis, intermitentes e incrivelmente podres. Não entendo como ainda consigo aguentar essa vidinha de merda. Talvez eu ainda viva pelo álcool. Não vejo outro motivo. Só vejo caos, revolta, estupidez, blasfêmia! Forte demais pra segurança de menos.
       O suicídio sempre foi uma boa ideia, porém acredito que eu tenha preguiça de me matar, não vou negar que por duas vezes eu tentei, mas não deu muito certo, hoje só oque eu tenho são cicatrizes de dias ativos, dias que o tédio não engoliu, dias que a privada não foi a minha paróquia e meu santo de merda não me protegeu das tolices humanas, das maldades pensadas. Não tenho motivos para viver, mas morrer por nada não me parece um bom negócio.
        Atualmente eu vivo para proteger os meus poucos queridos, dois cachorros, uma amiga e alguns marujos desengonçados não muito bonitos, mas que abraçam a minha imundice e me colocam para dormir sobre minha cara já amassada. Falo de proteção porquê alguns seres merecem o direito de vida, pois estes poucos se entregam a quem não tem nada, bebidas, boas conversas e até algumas lambidas na cara; são sempre um bom remédio, mas hoje a solidão me acolhe bem, é com minhas doenças que eu realmente me entendo, afinal; com elas eu não preciso de um sentido e posso ser um qualquer coisa e até mesmo não ser nada.
 
(De: Bianca Quadrelli e Leticia Borges)




9.12.14

Lambível

Encarnado:
Teu cheiro em minha pele.
Acho que te amo,
entrego os pontos e confirmo:
-Te amo no agora, no momento.
Mas o que é o momento?
Momento é sonho vivido e guardado,
transfigurado para poema,
eternizado na língua.

3.12.14

Laranja cenoura

Ideias transcendentais
a cabeça liga.
 
Guarde a minha língua
Morda-me no agora.
 
Indago com a lua.
Apresento as minhas vontade.
Jogo sujo com o meu amor.
 
Transfiguro-me para luz.
Sou alma.
 
Alma dum sol esporádico
que se joga na imensidão
de sal e água...