21.12.14

Embriaguez

       Curtindo a minha ressaca como num sonho em fatias, as pontadas na cabeça dão uma sensação insuportável de vida, estranho isso; dar vida e dor para alguém que não vê sentido algum em estar vivo, para alguém que já sentiu entre os dentes que amores não morrem só tornam-se insuportavelmente reais, como as pontadas que sinto em minha cabeça. Por agora não existe mais a vontade de beber e sim o simples pedido para que o vizinho quebre os dedos com o martelo e tenha a cavidade anal bolinada pela furadeira, talvez assim ele pare com as obras de domingo e leve sua tola esposa para um churrasco de família que se intitula feliz. E eu ainda que doído consiga me afundar no colchão velho e por alguns minutos dormir.
        Eu não sei se já passaram por um porre desses, mas certamente sempre foi assim pra mim, com raras exceções em que um embargo de angústia consegue me engolir a ponto de não querer atravessar a rua de casa para encostar-me ao bar do José. Mas que diabos! Tudo que eu queria era dormir por semanas, meses talvez. Literalmente entrar num coma profundo, mas infelizmente tenho os malditos compromissos dessa vida cotidiana. Acordar às 5h da matina, enfrentar o trânsito infernal de São Paulo, aguentar um dia todo repleto de pessoas banais, chegar em casa e ainda ter de fingir paz interior no cansaço.
      Lembrando-me da embriaguez de ontem, enquanto ali parada observava gente transitando por todo lado, como urubus em busca de carniça, por um momento pensei que havia esquecido como é pequena toda essa gente, tão frágeis, intermitentes e incrivelmente podres. Não entendo como ainda consigo aguentar essa vidinha de merda. Talvez eu ainda viva pelo álcool. Não vejo outro motivo. Só vejo caos, revolta, estupidez, blasfêmia! Forte demais pra segurança de menos.
       O suicídio sempre foi uma boa ideia, porém acredito que eu tenha preguiça de me matar, não vou negar que por duas vezes eu tentei, mas não deu muito certo, hoje só oque eu tenho são cicatrizes de dias ativos, dias que o tédio não engoliu, dias que a privada não foi a minha paróquia e meu santo de merda não me protegeu das tolices humanas, das maldades pensadas. Não tenho motivos para viver, mas morrer por nada não me parece um bom negócio.
        Atualmente eu vivo para proteger os meus poucos queridos, dois cachorros, uma amiga e alguns marujos desengonçados não muito bonitos, mas que abraçam a minha imundice e me colocam para dormir sobre minha cara já amassada. Falo de proteção porquê alguns seres merecem o direito de vida, pois estes poucos se entregam a quem não tem nada, bebidas, boas conversas e até algumas lambidas na cara; são sempre um bom remédio, mas hoje a solidão me acolhe bem, é com minhas doenças que eu realmente me entendo, afinal; com elas eu não preciso de um sentido e posso ser um qualquer coisa e até mesmo não ser nada.
 
(De: Bianca Quadrelli e Leticia Borges)




9.12.14

Lambível

Encarnado:
Teu cheiro em minha pele.
Acho que te amo,
entrego os pontos e confirmo:
-Te amo no agora, no momento.
Mas o que é o momento?
Momento é sonho vivido e guardado,
transfigurado para poema,
eternizado na língua.

3.12.14

Laranja cenoura

Ideias transcendentais
a cabeça liga.
 
Guarde a minha língua
Morda-me no agora.
 
Indago com a lua.
Apresento as minhas vontade.
Jogo sujo com o meu amor.
 
Transfiguro-me para luz.
Sou alma.
 
Alma dum sol esporádico
que se joga na imensidão
de sal e água...

30.11.14

Repara


Numa ótica de passarinho
miro para a lua ultra.
esqueço do violeta
na imensidão das nuvens.
 
Sopros sentidos,
formas vivas
dum sonho atoa.
 
De cabeça-meia na lua.
De cabeça-meia no mar.
 
Num delírio de alquimista,
mordiscando os lábios,
jorrando palavras,
grafemas,
diacríticos,
poemas...


25.11.14

Ἄτη


Quarenta e sete piscadas seguidas,
descuido de ideias dançantes
que saltam da boca
e te beijam nos ouvidos.
 
Nada mais gira,
porém o tempo devora,
sem fome,
sem provas,
apenas come;
Pútridos, deuses, fodidos.
Engole, cospe, aduba, seca...
 
Voamos entre os sais de nossos olhos.
Caímos num reflexo,
num pigarro mental que Até senta e repara.


9.11.14

Sentidos

No melaço de meus dias
queimo.
Choro por puro doce,
sentimentalismos que vaza pelos olhos.

Não te acanhes.
Repare no reflexo 
trincado de minha existência.
Na alma roída que dizem que eu tenho...

Gosto puro de mar doente. 
Descarrego de fulana. 
Sortilégio de quem banha a lua.

13.10.14

Santificada

Hora de dormir, 
amanhã rola, sempre.
Hora de sonhar, 
flores nas fronhas, 
brancos lençóis, 
adocicados, 
molhados.

Umidade e movimentos lentos, 
o tato das coisas sob\sobre o lençol.
Num compasso delicado, 
como quem dedilha um instrumento, 
linhos enroscados, 
lábios e mais lábios.

Todas as promessas renovadas, 
a morte breve, 
o cansaço dos sentidos.
Olhos virados, 
reparando o espaço, 
tempo curto
para quem por instantes 
sente fome de vida.

O pulso, 
de novo e outra vez, 
o pulsar do desejo urgente... 
então, o sono nos acalenta.
No emaranhado da ideia ativa, alivio. 
Dedos chupados, sorriso mordido.


(Maria Lucia Jeunehomme Borges e Leticia Borges)

1.10.14

Flutua

Para cima de teu corpo:
-Acalma-te benzinho.

A língua que percorre mundos 
de teu atual ser.

Aquiete:

-Sinta em teus ouvidos 
a doçura do silêncio.

Frescura do desuso...

28.9.14

Desanda...

Epicédios escritos numa pele fria. 
Ruas de pedra e pó.
Becos, bocas, guimbas.

Encontre-me no teu avesso de mundo. 
Retinas viradas para o teu profundo. 
Produtos.
Produtos...

Fumaça que te toca os dentes.
Língua que te lambe a nuca. 

Não morra.
Corra.
Esporra...

Jorrando para os confins 
de um deus que dorme. 

-Não pare por aí.
Continue, só não cante.

Sussurre o teu nome. 
Cordas de fumo.
Flores na carne. 

14.9.14

Brinquemos

Te atente para os sussurros das nuvens:
-Ouve?
São estalinhos leves para um acalanto.

Deixe-me provar do gosto de lágrima.
Sentir entre os alvéolos teu gosto de sal.
Água salobra, olhos castanhos...

Brinquemos com os ventos do sul.
Repare no movimento:
Roupas no varal, flores no chão. 

Cante estrelas sem brilho.
Faça uma epopeia de bicho.
Emaranhe-se no meu tear...






10.9.14

Setembro para os teus olhos

Rodando com teu nome,
Mente fraca que atordoa.
Quero-te talvez por amor.
Caprichos internos.

Cegueira de velha.
Desejo de meus restos.
Flores.
Quenturas...

Chá de amendoim.
Pele morena que me aquece.
Boca doce que te devora.

26.8.14

Pelas tabelas

Passando os olhos por versos dum dia,
Encontro-te entre os espaços:

Tempo para a minha cabeça...

Antes de ser homem,
sou sombra. 

Raiz falha,
Rés de humano.

Herói romanesco.
Ordinário almo.

Que no fundo sente,
não pelos olhos, mas pelas tabelas.

22.8.14

Astro rei

Assunte a terra que pisas.
Sinta o cheiro e não te acanhe. 
-O mundo é grande, meu amigo
e cabe no momento de teus miúdos olhos.

20.8.14

entre matérias

Dos beijos gastos roubados nas moitas.
dou-te todos e perco-me em um.

Solo de nosso amor que dura
para o momento vago dum pensamento solo.

Encontro-te entre as vigas dos muros.
Cacos de vidro, verde garrafa.

Sangue que nos cora a pele.
ajeita os corpos.

Teu corpo em boca.
Meu corpo em couro. 

13.8.14

Que venha

Desfiguro-me para as retinas.
Alumio astros mortos.
Sou de fogo e carne.

Lava de vulcão adormecido.
Resto de pele no bico.
 Pedaço dos mundos...

Venha de peito aberto.
Alma lavada.
Coragem nas ventas.

1.8.14

Deleite

Na delicadeza de meus passos noturnos.
Rasgo-me dentro de mim,
num assobio comprido 
para desencantar versos passados. 

Os chupões entre as frestas da vida.
As cores de meu bem.
Minha religião. 

Aquele ouvido viciado.
Cheiro de gim; 
Seca boca cereja.

Gostos e pigarros.
Água pura, que dá samba.
Escorregões, tropeços.
Bordões sentidos de violão.
Teus beijos, teus beijos...

31.7.14

Roçando

Ainda que vermelhos flutuantes
Guardo-te entre a maré e a queda.
Fluxo dos olhos meus
para os miúdos olhos teus...

No caótico corpo carnoso.
No beijo cor de rosa. 
Nas flores sofridas de apartamento.
No canto lutuoso de um azulão.

Escodo-me nos restinhos de gosto bom.
No cheiro de Jaboticaba. 
Nas cores de nossa bandeira.
Entre as cordas do teu violão. 

26.7.14

Dorido, dolorido, colorido...

Lanço-me no emaranhado de tuas fracas vontades. 
Contra-fluxo de sentimento dorido.
Prove do gosto de meu amor carnoso.
Vá roendo os ossos,
Bebendo o sangue,
Chupando o tutano...
O amor aqui é comestível.
Mutável.
Humano...

24.7.14

Cotidiano contido

     Nunca neguei meu gosto por delicadeza; um sopro de vento, um banho de mar, uma oferenda de rosa e perfume, beijos no beco e assim vai... Como de costume levantei cedo, joguei água gelada na vista torcida, tropecei na mesinha da sala, acendi um cigarro na boca do fogão, voltei para o meu quarto, abri a janela e fiquei por ali; reparando o vento e o leriado das crianças da vizinha. numa desas de reparar a bendita da vizinha sai e grita:
-Bom dia seu Pedro.
    Ainda tropo das pernas e da vida, quase não respondi a senhora de ancas largas e sorriso claro...
-Bom dia dona Marta, como vai a senhora?
-Vou vivendo, sabe como é; o Marquinhos operou da fimose faz dois dias e já quer sair para jogar bola, vê se pode seu Pedro, o menino mal sarou e já quer virar bicho?
    Por quê diabos eu fui perguntar se ela está bem, eu costumo cagar para os vizinhos e para o mundo, tenho que parar de ser falso.
-Deixa o menino dona Marta, cada um sabe onde dói.
-Mas seu pedro, o senhor já operou da fimose? é muito feio, é de fazer dó.
-Se operei não me lembro, mas acho que nunca tive problemas, vou voltar para a cozinha porquê deixei o fogo ligado, mas depois continuamos a falar da fimose de seu filho.
-Vai lá seu Pedro, fogo ligado é um perigo.
     Finalmente a gralha calou a boca, não me importo com barulho, me importo mesmo é quanto o barulho resolve me dizer bom dia, eu lá tenho cara de quem gosta de ser amigável? Só queria fumar meu cigarro, olhar os pombos e reparar nos moleques, sei lá; gosto de ver criança, não por gostar de crianças, até porquê, mal falo com os meus sobrinhos, muito menos com os filhos dos outros, o negocio é que fico do quinto andar vendo tudo, me sentindo um deus pagão, desinformado e mal amado, olhando para o tempo que passou sambando na minha cara. Cara que hoje é amarrada, que vive de fumo, musica e pelos...
     Voltei para cozinha, sentei-me na velha cadeira de madeira e pensei um instante a quão saborosa a tal da Dona Marta é... Deve ser a única explicação plausível para que tenha tantos filhos, já que quando abre à maldita boca, toda sua beleza se vai a cada respingo de saliva, onde suas palavras são extremamente descartáveis. Pois bem, me deparo com um troço duro logo a minha frente. Voltei para a janela.
Ao passar dos anos não ligamos tanto para o conteúdo, quando se percebe que está ficando velho e sozinho, a única coisa que se deseja é ter com quem foder só para garantir que ainda está vivo. Não me importo, não tenho mais nada a perder, o que eu tive de melhor foi perdido nas entrelinhas da vida:
-Dona Marta, poderia subir até o meu andar? Preciso trocar umas palavras com a senhorita.
- Tudo bem seu Pedro, só espere um momento!
    Lá vem ela, toda desengonçada de tanto rebolar as cadeiras, solta os bobes do cabelo enquanto eu a vejo pelo olho mágico do outro lado da porta.
- O que deseja seu Pedro? Está precisando de alguma coisa?
     Pensei uma vez e agi duas. Sem trocar uma palavra a virei e a beijei intensamente, deixando minha barba deslizar por seu pescoço, acariciando cada parte de seu corpo e ela sem interrogar, entrou na minha dança com corda bamba. Durou menos de 15 minutos, não consegui me segurar por muito tempo, não estava nem um pouco preocupado com a satisfação dela, só queria me garantir e isso foi o suficiente, logo a mandei embora, não queria ouvir a gralha novamente, afinal, não queria estragar meu momento “êxtase” .
    As puras moças que não se aproximem; ogro ou santo, meu nome vai acabar no mesmo lugar, numa lápide cinza, com a minha irmã chorando e me chamando de anjinho. Por agora vai rodar nas bocas das pulhas: “Homens são todos iguais!” É complicado não pensar no próprio pau quando a parceira de ocasião está te avaliando para contar para as amigas. Para a grande maioria das mulheres sexo é só abrir as pernas e levantar a bunda, Mas qualquer pessoa certa da cabeça sabe que sexo pode ir além da carne e muito além da garganta, não estou falando de encontrar o tal ponto G, estou falando de saber ser mais que um pedaço de carne viva e vermelha, ir além dos desamores passados e procurar um acaso e não mais um para lista de bons meninos.

(De Bia Quadrelli e Leticia Borges)

23.7.14

Pedaços

Rasgando meu peito ancho.
Reviro-me entre cores e destroços passados.
Venha cá;
Dê-me um beijo.
Olhe no fundo da moringa de barro.
Aproveite os meus versos livres
no recheio dos teus poemas abstratos.
Para quem sabe rodar com o vento leve.
Arrastar o tempo nos pelos.
E piar com sangue na língua.

22.7.14

Café com leite

Lambendo os lábios leitosos
Para pingar no café amargo
O branco que ainda temos de vida...

14.7.14

Átimos

Não meu amor,
Não sou a hipócrita
Que te promete uma vida de riso.
Sou de sonho e sangue.
Não prometo-te nada além de meus punhos de carne 
e desajustados desejos.

Amo-te com poros e nervos;
Não vou te privar da dor, da felicidade,
Da angustia encavalada,
Do canto dos passarinhos,
Da viola dos amadores
E nem dos carinhos de outras tantas.

Quero que beba de todas as fontes,
Prove do mel e do fel.
Sinta entre as narinas o cheiro da imensidão.
Para quem sabe um dia intitular-se feliz, 
Não na vida,
Mas no momento...

10.7.14

Sagrada

Nas curvas de minhas tantas vontades,
Perco-me nos reflexos de meus olhos.
Reparo de dentro para fora.
Sinto o cheiro da terra. 
Me apego aos meus orixás.

Danço em todos os cantos.
Vou desatinando, 
Desviando nas bocas.
Fazendo fumaça.
Cantando pra Exú.

Me espalho no catimbó.
Suspiro nas Juremas.
Vou de costas.
Confio no meu querer.
No meu passo viciado
Que uma vez por ano me mata na avenida. 

5.7.14

Aquele que vive

Nos teus versos tropos.
Nas tuas rugas encolhidas.
Nos teus tolos lamentos.
É aí que estou,
nesta tua baderna que me desloca,
me enrosca.

Não me fale de poesia.
Hoje só quero o poeta.
Que quando bruto,
enverga este meu intitulado desmundo.

Brinque nos destroços de meu atual ideal.
Deus dorme.
Quem vive é tu.

29.6.14

A carta de Franco

     Acordei mais uma vez num sofá de prego e tábua de um dos meus tantos amigos de copo; pois é, a loura me deu as contas, disse que abusou de minhas noitadas e do som fraco de meu violão já viciado em choro-canção. No mais, fiz oque qualquer homem bêbado faria: larguei ela lá, indagando e descascando o esmalte vermelho dos tocos que ela chama de unhas. Viu só como sou bom homem, até nas mãos da kizumba eu reparo e a malvada nem reconhece, é por isso que eu bebo...
     Mas vou deixar de me queixar, no mais ela que perdeu, tá certo que quem tá todo moído sou eu, mas ela deve tá chorando, ou fazendo um patuá. Pra lá não volto nem com a peste e sim vou cuspir pra cima e torcer para não cair nas vistas, mas se cair; é bom que refresca.
    Tô te escrevendo desse jeito torto meu irmão pra te pedir um canto, pode ser até uma rede, ou uma esteira de palha, só não me bote num sofá. Sei que sua mulher não tem lá muito prazer em olhar para as minhas fuças, mas xaveca ela daquele jeito que você xavecou para adentrar nos fundilhos, diz pra ela que é por pouco tempo e que se ela aguentou parir três meninos só com uma dose de Nêga Fulô ela vai me engolir fácil e também tem aquele nosso cigarrinho pra amaciar. 
    Dê um cheiro nos meninos e avise que o tio deles tá chegando, avise para minha cunhada que tô com um lenço de flor amarela que é uma coisa linda e diga para sua sogra que tô solteiro e procurando umas ancas de velha leitosa para me escorar, mas diga com delicadeza, pois gastei meus versos de amor com a danada lá do morro.  
      Lembre-se meu irmão, tô quase vendendo meu pai de santo e rifando os meus Orixás, sei que é pecado, até dei uns tapas nas minhas fuças depois que escrevi estas linhas, mas agora não importa, cê sabe que sou do tipo que pede á Deus para que o mundo acabe no pé de um barranco só para eu poder morrer encostado, ando triste, sem cordas no violão e só com o dinheiro para pegar o clandestino e ir para o seu mocó. Só estou te enviando à carta por pura cortesia e tédio é provável até que eu chegue antes dela, mas aceite este teu irmão véi que te ama e até um dia destes bancou as tuas cachaças.



Franco Silva.
São Paulo, 02/02/1988

27.6.14

Ser em tu

Esta tua profundeza que me suga com os olhos.
Deixe-me ao menos o direito de sorrir. 
Fique mais um pouco,
mas não olhe assim. 

Lembre-se do corpo moreno,
que por decreto dos poros,
decidiu rolar junto ao teu pelo chão. 

Não pretendo cobrir teu peito de remador.
Nem transfundir meu sangue para as tuas grossas veias.
Nem muito menos te dedicar os meus  anos boemia.

Quero sentir o vento forte me soprando no umbigo.
Cair de bêbada em teu dorso.
E entre o satélite e a estrela; 
assuntar o uivo, o chocalho, teus gemidos...

19.6.14

Súcubo

Tire-me do tédio de beijos malogrados. 
Agonize comigo.
Morra sem ter piedade de tua alma.
Aceite que assim como o peixe;
morremos pela boca. 
Pelo desejo conturbado de querer demais.

Com minha demência, vou seguindo.
Virando pó.
Salivando o sal dos poros.
Aguando nua. 
Me desmanchando.

Abocanhando com gosto 
oque intitulo "meu!"
...Meu para o momento,
mas nunca para a eternidade. 

15.6.14

Marialva



















Ideia rasa
Dissecada
para melhor te confundir.

Correndo nos linhos,
Costurando versos,
Queimando flores.

No delírio noturno de fenhedor,
sonho com os beijos doces da mulher
que ao levantar os panos mostra os pés de cabra.

Miro-te com meu espelho já trincado.
Transponho-me para precador;
Beijo-te a pele, os lábios...

11.6.14

Transfiguração

Roendo os dias 
para então quem sabe,
morrer de amor.

Guardo nos olhos castanhos,
teu olhar trincado,
mirando para o novo mundo.

Emaranhe tuas ideias nas minhas. 
Prove do doce.
Debulhe nas cordas da tiorba...

Estamos quem sabe na mesma paqueta.
No mesmo mar
que nos arrasta em reboliço para o nada.

O sopro dos bons ventos
talvez nos leve para o além.
Nos transforme em palavras.

Uma nova língua
para roçar nos palatos gastos
 e se perder nos dialetos esquecidos.

10.6.14

Entre o costume e a demência

    Costumo comparar o cigarro ao beijo, afinal os dois são prazer e insatisfação ao mesmo tempo. Quem diabos se conforma em dar um único trago ou fumar apenas um cigarro? Com o beijo é mesma coisa, só largamos quando a “marca” não presta, quando o gosto é de bala ou quando nos acostumamos e caímos na rotina monótona do confortável. Desconfio de qualquer um que fume por tabela, sabe aquele que anda com fumantes e não fuma? Este mesmo, o chato que respira o prazer alheio. No mais; quem não fuma, não beija, quem não beija, não ama e quem não ama, morre de tédio.
     Sim, eu sou fumante, mas a questão aqui é o filtro e não o fogo. Digamos que eu seja uma mulher bonita, razoavelmente inteligente e um pouco atormentada por amores passados.  Por agora sou só mais uma, mas tenho um problema e não, não é depressão nem nada do tipo, acredito que vai além de qualquer demência, mas enfim; se para é contar que seja agora, lá vai: Sou uma mulher de sorriso largo, olhos grandes e amendoados capazes de devorar o mundo e também sou boazinha, mas boazinha demais, do tipo que não serve para namorar ou para qualquer coisa do gênero, a maioria dos meus envolvimentos amorosos se resumem no seguinte ciclo: Conhecer um moço que se diz em crise com ele, com o mundo e com uma moça que não apoia seu delírio cotidiano. Sorrir para ele, trocar ideias, fumaças e beijos. Fazer com que ele surte e tenha novas ideias a ponto de reconstruir-se, alimentar o EGO cru, levantar a cabeça e sair para satisfazer-se e supostamente satisfazer alguém do sexo oposto.
      O problema não é ir; O problema é ir, passar tempos e depois voltar de chapéu na mão, sentimentos roídos e sobrancelhas pela metade. Como eu disse anteriormente: É um ciclo, ciclo de merda, mas ainda sim um ciclo, coisa que meu exagero de sorriso e bons sentimentos permitem. Acho tudo válido, seja um café, um corpo frio, uma noite, um dia, um amor ou uma aventura. Antes eu valorizava mais os momentos, hoje simplesmente eu os considero como apenas algumas horas, que na maioria das vezes são perdidas. Já amei, já me apaixonei, já enlouqueci. Como disse; já fui atordoada por acreditar demais. Hoje não acredito em nada, só vivo e vivo praticando o que me faz bem, seja lá quais consequências virão depois. O fato de eu sempre me foder não significa que preciso parar de viver em sociedade, significa apenas que preciso viver sem esperar muito do amanhã. Hoje para mim, o amor é como tomar um café gelado pela manhã. Quando você o faz ainda está quente, mas com o tempo vai ficando frio, gelado, e finalmente esquecido.
       Hoje me orgulho de ter cartas na manga, alguns corpos a disposição de uso, um copo de whisky na mão e boa música já é o suficiente para mim. Quando digo corpos, refiro-me a pessoas descartáveis, dessas sem conteúdo que sabemos que só querem o mesmo que você: sexo. As prefiro, afinal já pastei demais esperando alguém digno de meu caráter, o melhor a fazer é me divertir, aproveitar, trocar experiências e nada, além disso. É como praticar necrofilia, aliás, prefiro dizer que sofro de Catalepsia patológica, porém constante.
      Certo dia um moço formoso disse-me que estava apaixonado, falava-me frases bonitas, fazia-me elogios estonteantes, depois de sentir que ganhou pontos comigo, começou a interrogar sobre meus gostos sexuais. Esse tipo de "convencimento pela auto certeza" é bastante utilizada pelos homens para intrigar a mulher, aguçar a curiosidade e depois dar o "checkmate"... Estou cansada de saber desses truques masculinos. E não sou desse tipo de mulher que costuma acreditar e somente soltar um "Tudo em sua hora", pois bem, quem espera as circunstâncias, acabará nunca fazendo nada. Essa técnica já é bem manjada pelos "Donjuanistas", porém eu não caio mais nessa. Prefiro que sejam diretos ao assunto. Um simples “quero te foder” é muito mais válido do que iludir, cozinhar, comer,  depois defecar e dar a descarga como se nada tivesse acontecido. Ambos dão certo, porém no resultado final ninguém sai cagado e sim ambos satisfeitos com consciência limpa, mas não vou negar; ainda me envolvo com aquele que foi o primeiro e até com o segundo e às vezes com o terceiro... Sinto-me emocionalmente forte e acredito que posso compartilhar dessa força com qualquer pobre diabo renegado que de tão mal feito, não possui asas. Tenho-os por estupida amizade e o mundo: brinquedo barato para minha pútrida vaidade. 

(De Bia Quadrelli e Leticia Borges)

4.6.14

interstício

Não deixe o candeeiro apagar.
A noite é fria, teu corpo é duro,
Aguenta os três mundos.

Leve a vida,
Como quem morde uma duvida.
Siga em frente...

Se o caso for de choro,
Não te darei o miserável consolo.
Bom mesmo sentir junto.

Mesmo que seja diferente,
Ainda é choro.
De flauta, violão, lágrima...

Hoje quero-te sorrindo.
Não só mostrando os dentes,
Mas deixando vazar sonhos por teus tantos poros. 



28.5.14

Pantomima para tu

Não que a voz seja fraca;
A culpa é do sentimento. 
Bruto, forte, sem formas...
Ao sair por palavras,
se despedaça na brisa.
Trinca no pavilhão.
Morre ali. 
Não penetra 
por não ser completo. 
É pedaço do pedaço
que num delírio de suposta razão,
complementa a palavra,
numa dança desajustada,
formada por pantomima.

25.5.14

Sorrindo

A dor de meus tantos anos 
aguarda-me em casa.
Deitada do lado direito da cama.

Tenho as pernas bambas,
dias incontáveis,
ideias falhas.

Acredito que posso me desfazer todos os dias.
Nunca fui de amar a vida,
mas sempre fui de morrer de amor.

Doce contado

Poemas curtos,
queimados no ritmo 
triste do momento. 

Lembro-me de tuas mãos,
que um dia dedilharam 
meu corpo morno.

Embolada em tuas pernas,
pensei até que amava.
Mas não!

Indomável e sem batismo.
Fui demais para tua ideia
ou para o teu sentimento.

Nunca pedi para adoçar meus ouvidos,
olhar para os meus olhos,
me tirar para dançar.

O que tive foi pouquinho.
nunca fui de ganancia,
o teu carinho contado 
era oque me ajeitava...

7.5.14

Entre os dentes de Locanaan

Perdidos e impuros que somos,
nos divertimos sobre a bandeja de Salomé. 
Corroídos entre os dentes de Locanaan.

Com as pupilas reviradas 
para mirar os olhos dela.
Fome feminina,
que aprecia o mundo com a língua:

-Deixe-me morrer entre os seios murchos 
das velhas desesperadas.
Entregue-me em pedaços
para os ventos fracos 
que colocam sobras nas bocas dos miseráveis.

Mas antes do fim;
Banhe-me os lábios 
com teu beijo pútrido e carnoso
para provar minha santidade.

 

4.5.14

Retalhos

Aqueles olhos de caipora raivosa,
com a doçura de menina do rio.

Por que alude mulher, 
quando no fundo sabe 
que é tua cor que me alumia?

Em quantas camas deitaste assim por acaso
sabendo que os retalhos de minha colcha
estão aqui, 
esperando teu doce cheiro de alfazema roxa.

Venha com teu vestido de roda.
Descendo a ladeira. 
Quebrando nas curvas.
Destruído tramelas.

Se desmanchando nos blocos.
Colorindo telhados.
Abocanhando a vida
e deixando o mel escorrer...

26.4.14

Grenha

Gosto quando chega mole.
Estabanado.
Espatifado.
Querendo o mundo...

Com estes olhinhos brilhantes,
devoradores dos mundos.
Dos deuses.
Da morte.

Respingo-lhe o tórax
com saliva e gotinhas 
d'água:

Uma gota por mecha.
Sincronia...
Demência de nossos corpos. 

24.4.14

Quase-sorriso

Exagero para te chamar de Deus:

-Beba benzinho, beba!

Rasgue-me os versos.
Fique calando,
estou reparando no teu riso.

Não é pintura. 
É poema.
Então mostre os dentes.

Não estrague a imagem 
com tua voz em Mi.
Cala-te!

Sem beijos 
ou alecrim.
Só teu riso.

Teu riso, sim!

22.4.14

Ode em suspiro

Acontece que os teus olhos 
dos meus já abusaram.
Entenda que tua não sou.

Sou dos ventos que uivam entre as brechas da janela.
Do verso doce que escorre no canto da boca. 
Da ideia rara, que se cala para não se limitar. 

Não me venhas com tua figurativa retórica.
Nem com o teu amar trancado.
Muito menos com teu querer frouxo e idoso.

Preciso de contos bobos.
Pensamentos inúteis para o mundo.
Conversas sem voz, somente olhos.

Tu, não pode com a delicadeza.
Encara o mundo com olhar bovino.
E se perde em papiros, para mostrar a tal idade.

Não me apresente ao belo. 
Quero o ridículo que me faça sorrir.
Não tolo me atice o choro.

Beije-me com os teus lábios em cacos.
Sugue tudo que é teu. 
Leve aquela que um dia fui eu.

A ideia não para.
A prosa não para.
A poeta: 

Só para 
para o suspiro
descontínuo...

10.4.14

Ver com a língua

A indecência da pele 
atordoa a podre retina.

O ver aqui é com a língua:

-A chupada inicial 
é o que define o verbo.
A cópula.
O verso...

9.4.14

Luso

Quero prender os teus beijos 
num papel de bala amassado.
Sentir teu gosto agridoce 
fazendo samba no meu palato.

Venha nu.
Curtido no álcool.
Perdido, caído...

Suposto filho de Baco:
Luso que cria um povo,
uma língua.

Língua que roça 
no bico de um seio cru,
feito o fogo roubado
que alimenta a fome de vida do homem! 

6.4.14

αγάπη

Corrompida por teu pensar subversivo.
Entrego-me de vez para o teu escárnio.
Lusitano desterrado:

-Plante o teu corpo desbotado no meu.
Deixe-me ser teu solo.
Tua terra curada.
Teu pequeno grão mazombo...

Talvez tu goste.
Talvez tu fique.

Vire flor.
Borboleta.
brisa...

Por agora

Morte da fome. 
Beijo em cutelo.
Sentido num deus? 

Corpo alugado.
Alma barroca.
Sorriso em ilharga...

Convite mudo:
-Morre comigo?

Resposta em suspiro...

-O beijo falho
por agora me basta.