30.7.13

Néctar

Num repouso de andorinhas
frias e cruéis,
Sinto-me néctar.
Um doce puro.
Colhido por abelha branca.
 
Fazendo um dourado mel.
Para ser roubado, doado,
desperdiçado e salivado,
por uma língua com gosto de fruta.
Morango, melão, mexerica, melancia...
 
O sabor do verão.
O zunido da abelha.
O canto das andorinhas.
O calor dos corpos.
O sorriso da vida.

27.7.13

Doce

   Com os dedos magros e gélidos para fora das mangas de lã Carlos escreve.
Batidas fortes de datilografo moído, vinho doce feito sangue, palavras miúdas e uma esposa por opção. Digo por opção porque no fundo as pessoas se casam por obrigação, gravidez, frustração, carência, dinheiro, amor, sexo e outras parafernálias mais.
   Carlos se casou por vontade mesmo, não é bem um casamento, na verdade é um remendo de trapos.
Homem vivido, quarenta e sete anos, folião de raça, sem filhos, sem emprego e que as vezes se veste de poeta. Foi gingando no balaço da colher-de-pau de uma mulata baiana que atravessou o São Francisco para vender cocadas na praça General Tibúrcio. Claudio a pedido de uma de suas namoradas de ocasião foi comprar cocada branca; ao se aproximar da humilde barraca de improviso foi logo mirando na moça. A cor, o suor, tacho, em um curto tempo Carlos desejou bolinar aquele grande "tacho." Aquilo para ele era carne nova, estava acostumado com moças fracas, fumantes e meio adoentadas, porém encantou-se por uma moça ainda sem nome, uma vendedora de cocada, matuta de sorriso ameno.
   A moça sem nome na verdade se chama Helena, não a bonita de Tróia, mas sim o resto de parição, filha caçula de dona Maria, uma ex-prostituta  que largou a profissão para viver de acarajé, cocada e patuá, mas isso não vem ao caso. Helena quando reparou os olhares do moço de cabeça grisalha se acanhou um pouco, porém revidou com gosto. Olhou para tudo e amoleceu quando mirou para os olhos claros de Carlos. Até hoje ela diz que tem sorte por ter um homem que sorri pelos olhos.
  A valsa de olhares não durou muito, apenas o bastante para a carnes e as almas trocarem farpas e flores, um carinho e um murro antes mesmo do toque de peles, uma troca de salivas psicológica, um beijo fatal para dois. Aquilo foi mas que qualquer sentimento já inventado. Não foi preciso um namoro, um noivado, um casamento ou um divórcio. Foi coisa pura, aconteceu como quem anda só e encontra uma pequena pedra, vai chutando delicadamente até chegar em casa. É uma coisa simples, Sem amarração, aconteceu por acontecer. Carlos faz poema, Helena faz cocada, Maria faz de tudo, a namorada de ocasião espera por doces e a pedra continua a rolar.



25.7.13

Tumor


Teu gosto do ano passado
malogrou-se em minha garganta.
 
Se eu tivesse uma alma,
diria que ela tem um tumor.
 
Um câncer maligno.
Sem cura ou pudor.
 
Vai estragando os órgãos,
a carne, a pele...
 
Atravancando meu imenso céu.
Acalantando meu furioso mar.
 
Fazendo de minha boca,
seu descarrego de misérias.


23.7.13

Cores de família

Pertenço a uma família de bêbados.
Sorridentes, pilantras, melindrosos.
Loucos, malandros, dengosos.
 
Fazem folia até em velório.
Colorem o mundo.
Amamentam os filhos.
 
Abrem os braços.
Viram copos.
Tragam o fumo.
 
A cachaça amarelinha
é o melhor edredom
para quem gosta de sorrir.
 
"Sei que vou morrer,
por tanto continuarei
Com meu podre hábito de ser feliz."


19.7.13

Fio de saudade

Numa dessas noites de insônia
deparo-me mentalmente com tua face.
Um rosto comum, com olhos escuros,
boca pequena, nariz arredondado,
e cicatriz no queixo.
 
Ainda guardo teu cheiro de cerveja e erva.
Teus pequenos beijos ateus.
Tuas longas sumidas.
Teus amigos estúpidos.
E tua delicadeza ao sorrir.
 
Para outros
minha saliva de fruta.
Para você o sabor ópio
escondido em meus finos
lábios cortados.

16.7.13

Sonhos e cinzas


Arquivista de sonhos
e cinzas.
Um suspiro.
Uma ideia.
Um cigarro.

Um toque breve.
Doente e demente
de corpos doídos.
Que se acabam em um trago.

Como quem acorda e sorri.
Toma um café.
Beija um estranho.
Conserta poemas.
E vai acabando-se por ai.

14.7.13

Palato


Sinto o sabor do vento
entre os dentes.
O cheiro de nicotina.
A luz da meia-lua...
 
Com lábios roxos.
Mãos quentes.
E pensamentos vadios.
Transformo-me em pó.
 
Não pretendo viver muito.
Não nasci para pertencer a eternidade.
Vivo para chegar ao fim.
 
Aprecio o vinho, o bêbado, o cio.
Amor, este substantivo abstrato e decadente.
Sentimento velho para minha alma infantil e doente!

Lascívia

Anoiteço em minha pouca idade.
Alumio meus olhos.
Desnudo-me.
Faço de meu corpo
meu alimento.
Sinto meu gosto entre
o anelar e o médio.
Salivo-me.
Deslizo para meus bicos endurecidos.
Aperto com rigidez o cansaço de minhas pernas.
Paro com tudo: Fumo um cigarro.
Sinto o sabor do vento pelos poros.
Tomo alguns goles de vinho.
Sonho, alucino.
Vejo-me em regalo em próprios braços.
Pertenço a mim mesma
e não pertenço a coisa alguma.
Sou um bocado de ar
e morro a cada suspiro.


12.7.13

Espasmo

Uma dor aboletada em minha carne.
Acharcando meu aguerrido coração.
Pedaço sofrido de carne doente.
 
Minhas pernas se contorcem.
Um seio ancho corrompe
ideias atordoadas e afoitadas.
 
Fazem meus rachados lábios
tremerem de frio ou fervura.
Fazendo-me viva, talvez única.
 
Voo com asas quebradas.
Traço poemas ufanos.
Entrego-me a todos, entrego-me ao mundo.


11.7.13

Todos os gostos do mundo

Tenho na língua todos gostos do mundo.
Guardo todos, por puro prazer.
Faço comparações, notas, poemas.
Acho excitante a ideia descendo fria pela garganta.
 
Talvez a ideia seja um suco.
Uma fruição.
Um sopro.
Mas não.
 
A ideia é uma pequena ferida aberta.
Cujo o melhor é remédio, é uma boa chupada.
É beber de teu próprio eu.
Provar de tua própria carne.

8.7.13

Nos lábios dos enamorados

Olhos apertados.
Sorriso largo.
 
Um seio para fora.
Outro entre dentes.
 
Leves mordiscadas
com beijinhos de peixe.
 
Pernas abertas acalentam
o magro corpo do enamorado.
 
Beijos são doados
e roubados.
 
Almas desavisadas
perdem-se entre gozos e fronhas.
 
Gritos manhosos.
Arranhões, hematomas.
 
Um doce eu te amo
escapa dos finos lábios.
 
A noite morre,
mas amor continua.


6.7.13

Velhos tempos

Em meus babélicos pensamentos corre teu nome.
Um nome que chegou como uma coceira.
Coçou, coçou, até sangrar, virar ferida.
 
Pergunto-me se pelo menos por um instante
você por puro descuido lembra-se de mim. 
Do meu cheiro, dos meu beijo ou
algo mais insano tipo meus caprichos em versos.
 
Lembro-me de cada linha de teu rosto abjeto.

Torturo-me com a cor de seus olhos.
As vazes canto, vezes choro.
 
Um choro fraquinho, feito uma modinha.
Que vai despedaçando-se no ar.
Acabando-se em lamento.
perdendo-se em velhos tempos.


5.7.13

Mais que um gosto

O amargo da cerveja
Encontra-se em meus lábios.
Substituindo beijos potoqueiros
que um dia foram guardados.
 
O álcool ajuda.
Mas não o bastante.
Penso em cair na vida.
Quem sabe acabar com o mundo.
 
 Procuro novos corpos.
Algo profícuo.
Que não seja apenas mais um gosto.
 
Algo que dure mais que uma noite.
Uma cerveja.
Ou toda a eternidade.
 

4.7.13

Pedaço de mim

Voe depressa
antes que noite acabe.
 
Quebre as tramelas,
entre pela janela.
 
Quero sentir em meus lábios
a finura de sua delicada pele.
 
Sinta a fragilidade que a
transparente camisola finge esconder.
 
Quero-te em meu corpo,
dentro de mim.
 
Vasculhado cada orifício.
Atiçando todos os poros.
 
Despenteando-me
Feito um louco.
 
Alimentando-se
de minha carne.
 
Tornando-se assim,
um pedaço de minha pouca vida.


3.7.13

Estrela


Deixar sair fumaça.
Bater a poeira dos panos.
Dar ar a mancha de mofo.
 
Sentir um filete luz
passando pelas pequenas
janelas dos óculos.
 
Sorrir e apreciar.
Quando se trata de estrela,
até poema torto para pra reparar.


2.7.13

Entenda




Entenda benzinho.
Quando estou em teu braços
pertenço unicamente a ti. 

Mas quando estou no mar
não pertenço a ninguém.
Sou simplesmente guiado pelo vento.

 Pertenço ao momento.
Ao espaço.
Ao tempo!
 
(Inspirado na crônica Filosofia de Jangadeiro de Rubem Alves)


1.7.13

Colecionadora de desgraças

Dores musculares.
Não só por suportar o mundo,
mas por suportar as desgraças do mundo.
 
Sinto-me melhor com um cigarro entre os lábios.
Aprecio a fraca sensação de ter algo em controle.
Meus podres vícios aliciam minha mente adoentada.
 
Não é dessas doenças que se trata com remédio.
É algo que mais profundo,
vem dentro.
E aos poucos vai vazando pelos poros.
 
Falo aqui de dores incalculáveis.
Sim, nunca neguei.
Sempre fui e sempre serei
uma colecionadora de desgraças.