29.6.14

A carta de Franco

     Acordei mais uma vez num sofá de prego e tábua de um dos meus tantos amigos de copo; pois é, a loura me deu as contas, disse que abusou de minhas noitadas e do som fraco de meu violão já viciado em choro-canção. No mais, fiz oque qualquer homem bêbado faria: larguei ela lá, indagando e descascando o esmalte vermelho dos tocos que ela chama de unhas. Viu só como sou bom homem, até nas mãos da kizumba eu reparo e a malvada nem reconhece, é por isso que eu bebo...
     Mas vou deixar de me queixar, no mais ela que perdeu, tá certo que quem tá todo moído sou eu, mas ela deve tá chorando, ou fazendo um patuá. Pra lá não volto nem com a peste e sim vou cuspir pra cima e torcer para não cair nas vistas, mas se cair; é bom que refresca.
    Tô te escrevendo desse jeito torto meu irmão pra te pedir um canto, pode ser até uma rede, ou uma esteira de palha, só não me bote num sofá. Sei que sua mulher não tem lá muito prazer em olhar para as minhas fuças, mas xaveca ela daquele jeito que você xavecou para adentrar nos fundilhos, diz pra ela que é por pouco tempo e que se ela aguentou parir três meninos só com uma dose de Nêga Fulô ela vai me engolir fácil e também tem aquele nosso cigarrinho pra amaciar. 
    Dê um cheiro nos meninos e avise que o tio deles tá chegando, avise para minha cunhada que tô com um lenço de flor amarela que é uma coisa linda e diga para sua sogra que tô solteiro e procurando umas ancas de velha leitosa para me escorar, mas diga com delicadeza, pois gastei meus versos de amor com a danada lá do morro.  
      Lembre-se meu irmão, tô quase vendendo meu pai de santo e rifando os meus Orixás, sei que é pecado, até dei uns tapas nas minhas fuças depois que escrevi estas linhas, mas agora não importa, cê sabe que sou do tipo que pede á Deus para que o mundo acabe no pé de um barranco só para eu poder morrer encostado, ando triste, sem cordas no violão e só com o dinheiro para pegar o clandestino e ir para o seu mocó. Só estou te enviando à carta por pura cortesia e tédio é provável até que eu chegue antes dela, mas aceite este teu irmão véi que te ama e até um dia destes bancou as tuas cachaças.



Franco Silva.
São Paulo, 02/02/1988

27.6.14

Ser em tu

Esta tua profundeza que me suga com os olhos.
Deixe-me ao menos o direito de sorrir. 
Fique mais um pouco,
mas não olhe assim. 

Lembre-se do corpo moreno,
que por decreto dos poros,
decidiu rolar junto ao teu pelo chão. 

Não pretendo cobrir teu peito de remador.
Nem transfundir meu sangue para as tuas grossas veias.
Nem muito menos te dedicar os meus  anos boemia.

Quero sentir o vento forte me soprando no umbigo.
Cair de bêbada em teu dorso.
E entre o satélite e a estrela; 
assuntar o uivo, o chocalho, teus gemidos...

19.6.14

Súcubo

Tire-me do tédio de beijos malogrados. 
Agonize comigo.
Morra sem ter piedade de tua alma.
Aceite que assim como o peixe;
morremos pela boca. 
Pelo desejo conturbado de querer demais.

Com minha demência, vou seguindo.
Virando pó.
Salivando o sal dos poros.
Aguando nua. 
Me desmanchando.

Abocanhando com gosto 
oque intitulo "meu!"
...Meu para o momento,
mas nunca para a eternidade. 

15.6.14

Marialva



















Ideia rasa
Dissecada
para melhor te confundir.

Correndo nos linhos,
Costurando versos,
Queimando flores.

No delírio noturno de fenhedor,
sonho com os beijos doces da mulher
que ao levantar os panos mostra os pés de cabra.

Miro-te com meu espelho já trincado.
Transponho-me para precador;
Beijo-te a pele, os lábios...

11.6.14

Transfiguração

Roendo os dias 
para então quem sabe,
morrer de amor.

Guardo nos olhos castanhos,
teu olhar trincado,
mirando para o novo mundo.

Emaranhe tuas ideias nas minhas. 
Prove do doce.
Debulhe nas cordas da tiorba...

Estamos quem sabe na mesma paqueta.
No mesmo mar
que nos arrasta em reboliço para o nada.

O sopro dos bons ventos
talvez nos leve para o além.
Nos transforme em palavras.

Uma nova língua
para roçar nos palatos gastos
 e se perder nos dialetos esquecidos.

10.6.14

Entre o costume e a demência

    Costumo comparar o cigarro ao beijo, afinal os dois são prazer e insatisfação ao mesmo tempo. Quem diabos se conforma em dar um único trago ou fumar apenas um cigarro? Com o beijo é mesma coisa, só largamos quando a “marca” não presta, quando o gosto é de bala ou quando nos acostumamos e caímos na rotina monótona do confortável. Desconfio de qualquer um que fume por tabela, sabe aquele que anda com fumantes e não fuma? Este mesmo, o chato que respira o prazer alheio. No mais; quem não fuma, não beija, quem não beija, não ama e quem não ama, morre de tédio.
     Sim, eu sou fumante, mas a questão aqui é o filtro e não o fogo. Digamos que eu seja uma mulher bonita, razoavelmente inteligente e um pouco atormentada por amores passados.  Por agora sou só mais uma, mas tenho um problema e não, não é depressão nem nada do tipo, acredito que vai além de qualquer demência, mas enfim; se para é contar que seja agora, lá vai: Sou uma mulher de sorriso largo, olhos grandes e amendoados capazes de devorar o mundo e também sou boazinha, mas boazinha demais, do tipo que não serve para namorar ou para qualquer coisa do gênero, a maioria dos meus envolvimentos amorosos se resumem no seguinte ciclo: Conhecer um moço que se diz em crise com ele, com o mundo e com uma moça que não apoia seu delírio cotidiano. Sorrir para ele, trocar ideias, fumaças e beijos. Fazer com que ele surte e tenha novas ideias a ponto de reconstruir-se, alimentar o EGO cru, levantar a cabeça e sair para satisfazer-se e supostamente satisfazer alguém do sexo oposto.
      O problema não é ir; O problema é ir, passar tempos e depois voltar de chapéu na mão, sentimentos roídos e sobrancelhas pela metade. Como eu disse anteriormente: É um ciclo, ciclo de merda, mas ainda sim um ciclo, coisa que meu exagero de sorriso e bons sentimentos permitem. Acho tudo válido, seja um café, um corpo frio, uma noite, um dia, um amor ou uma aventura. Antes eu valorizava mais os momentos, hoje simplesmente eu os considero como apenas algumas horas, que na maioria das vezes são perdidas. Já amei, já me apaixonei, já enlouqueci. Como disse; já fui atordoada por acreditar demais. Hoje não acredito em nada, só vivo e vivo praticando o que me faz bem, seja lá quais consequências virão depois. O fato de eu sempre me foder não significa que preciso parar de viver em sociedade, significa apenas que preciso viver sem esperar muito do amanhã. Hoje para mim, o amor é como tomar um café gelado pela manhã. Quando você o faz ainda está quente, mas com o tempo vai ficando frio, gelado, e finalmente esquecido.
       Hoje me orgulho de ter cartas na manga, alguns corpos a disposição de uso, um copo de whisky na mão e boa música já é o suficiente para mim. Quando digo corpos, refiro-me a pessoas descartáveis, dessas sem conteúdo que sabemos que só querem o mesmo que você: sexo. As prefiro, afinal já pastei demais esperando alguém digno de meu caráter, o melhor a fazer é me divertir, aproveitar, trocar experiências e nada, além disso. É como praticar necrofilia, aliás, prefiro dizer que sofro de Catalepsia patológica, porém constante.
      Certo dia um moço formoso disse-me que estava apaixonado, falava-me frases bonitas, fazia-me elogios estonteantes, depois de sentir que ganhou pontos comigo, começou a interrogar sobre meus gostos sexuais. Esse tipo de "convencimento pela auto certeza" é bastante utilizada pelos homens para intrigar a mulher, aguçar a curiosidade e depois dar o "checkmate"... Estou cansada de saber desses truques masculinos. E não sou desse tipo de mulher que costuma acreditar e somente soltar um "Tudo em sua hora", pois bem, quem espera as circunstâncias, acabará nunca fazendo nada. Essa técnica já é bem manjada pelos "Donjuanistas", porém eu não caio mais nessa. Prefiro que sejam diretos ao assunto. Um simples “quero te foder” é muito mais válido do que iludir, cozinhar, comer,  depois defecar e dar a descarga como se nada tivesse acontecido. Ambos dão certo, porém no resultado final ninguém sai cagado e sim ambos satisfeitos com consciência limpa, mas não vou negar; ainda me envolvo com aquele que foi o primeiro e até com o segundo e às vezes com o terceiro... Sinto-me emocionalmente forte e acredito que posso compartilhar dessa força com qualquer pobre diabo renegado que de tão mal feito, não possui asas. Tenho-os por estupida amizade e o mundo: brinquedo barato para minha pútrida vaidade. 

(De Bia Quadrelli e Leticia Borges)

4.6.14

interstício

Não deixe o candeeiro apagar.
A noite é fria, teu corpo é duro,
Aguenta os três mundos.

Leve a vida,
Como quem morde uma duvida.
Siga em frente...

Se o caso for de choro,
Não te darei o miserável consolo.
Bom mesmo sentir junto.

Mesmo que seja diferente,
Ainda é choro.
De flauta, violão, lágrima...

Hoje quero-te sorrindo.
Não só mostrando os dentes,
Mas deixando vazar sonhos por teus tantos poros.