24.7.14

Cotidiano contido

     Nunca neguei meu gosto por delicadeza; um sopro de vento, um banho de mar, uma oferenda de rosa e perfume, beijos no beco e assim vai... Como de costume levantei cedo, joguei água gelada na vista torcida, tropecei na mesinha da sala, acendi um cigarro na boca do fogão, voltei para o meu quarto, abri a janela e fiquei por ali; reparando o vento e o leriado das crianças da vizinha. numa desas de reparar a bendita da vizinha sai e grita:
-Bom dia seu Pedro.
    Ainda tropo das pernas e da vida, quase não respondi a senhora de ancas largas e sorriso claro...
-Bom dia dona Marta, como vai a senhora?
-Vou vivendo, sabe como é; o Marquinhos operou da fimose faz dois dias e já quer sair para jogar bola, vê se pode seu Pedro, o menino mal sarou e já quer virar bicho?
    Por quê diabos eu fui perguntar se ela está bem, eu costumo cagar para os vizinhos e para o mundo, tenho que parar de ser falso.
-Deixa o menino dona Marta, cada um sabe onde dói.
-Mas seu pedro, o senhor já operou da fimose? é muito feio, é de fazer dó.
-Se operei não me lembro, mas acho que nunca tive problemas, vou voltar para a cozinha porquê deixei o fogo ligado, mas depois continuamos a falar da fimose de seu filho.
-Vai lá seu Pedro, fogo ligado é um perigo.
     Finalmente a gralha calou a boca, não me importo com barulho, me importo mesmo é quanto o barulho resolve me dizer bom dia, eu lá tenho cara de quem gosta de ser amigável? Só queria fumar meu cigarro, olhar os pombos e reparar nos moleques, sei lá; gosto de ver criança, não por gostar de crianças, até porquê, mal falo com os meus sobrinhos, muito menos com os filhos dos outros, o negocio é que fico do quinto andar vendo tudo, me sentindo um deus pagão, desinformado e mal amado, olhando para o tempo que passou sambando na minha cara. Cara que hoje é amarrada, que vive de fumo, musica e pelos...
     Voltei para cozinha, sentei-me na velha cadeira de madeira e pensei um instante a quão saborosa a tal da Dona Marta é... Deve ser a única explicação plausível para que tenha tantos filhos, já que quando abre à maldita boca, toda sua beleza se vai a cada respingo de saliva, onde suas palavras são extremamente descartáveis. Pois bem, me deparo com um troço duro logo a minha frente. Voltei para a janela.
Ao passar dos anos não ligamos tanto para o conteúdo, quando se percebe que está ficando velho e sozinho, a única coisa que se deseja é ter com quem foder só para garantir que ainda está vivo. Não me importo, não tenho mais nada a perder, o que eu tive de melhor foi perdido nas entrelinhas da vida:
-Dona Marta, poderia subir até o meu andar? Preciso trocar umas palavras com a senhorita.
- Tudo bem seu Pedro, só espere um momento!
    Lá vem ela, toda desengonçada de tanto rebolar as cadeiras, solta os bobes do cabelo enquanto eu a vejo pelo olho mágico do outro lado da porta.
- O que deseja seu Pedro? Está precisando de alguma coisa?
     Pensei uma vez e agi duas. Sem trocar uma palavra a virei e a beijei intensamente, deixando minha barba deslizar por seu pescoço, acariciando cada parte de seu corpo e ela sem interrogar, entrou na minha dança com corda bamba. Durou menos de 15 minutos, não consegui me segurar por muito tempo, não estava nem um pouco preocupado com a satisfação dela, só queria me garantir e isso foi o suficiente, logo a mandei embora, não queria ouvir a gralha novamente, afinal, não queria estragar meu momento “êxtase” .
    As puras moças que não se aproximem; ogro ou santo, meu nome vai acabar no mesmo lugar, numa lápide cinza, com a minha irmã chorando e me chamando de anjinho. Por agora vai rodar nas bocas das pulhas: “Homens são todos iguais!” É complicado não pensar no próprio pau quando a parceira de ocasião está te avaliando para contar para as amigas. Para a grande maioria das mulheres sexo é só abrir as pernas e levantar a bunda, Mas qualquer pessoa certa da cabeça sabe que sexo pode ir além da carne e muito além da garganta, não estou falando de encontrar o tal ponto G, estou falando de saber ser mais que um pedaço de carne viva e vermelha, ir além dos desamores passados e procurar um acaso e não mais um para lista de bons meninos.

(De Bia Quadrelli e Leticia Borges)

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